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A DISPUTA POR UM CARNAVAL ANTI RACISTA


Esse ano alguns blocos do Rio de Janeiro começaram a contestar marchas de carnaval com letras consideradas machistas, racistas ou preconceituosas. Integrantes de grupos como Mulheres Rodadas, Cordão do Boitatá e Charanga do França informaram que vão retirar as marchinhas com conotações preconceituosas de seus repertórios. As marchinhas em questão são O teu cabelo não nega, Maria Sapatão, Olha a cabeleira do Zezé e Índio quer apito. Mas a medida não é unânime e levantou uma grande polêmica dividindo os carnavalescos.

O carnaval parecia ser um refúgio intocável para palavras como "mulata" ou "sapatão", que ainda sobrevivem nas marchinhas escritas na década de 30 e 40, mas que são consideradas hoje ofensivas para grupos minoritários. A primeira, tem uma conotação racista, escravocrata e de objetificação da mulher. A segunda, por depreciar a orientação sexual das lésbicas.

Foi esse ano também que pela primeira vez desde 1991, a Globeleza dançou com roupas típicas da cultura brasileira, em vez do simples corpo nu pintado e o tapa-sexo usado nos anos anteriores. Isso foi uma importante vitória das reivindicações das mulheres negras que via a Globeleza como um símbolo da objetivação das mulheres.

O TEU CABELO NÃO NEGA

(Irmãos Valença/Lamartine Babo)

O teu cabelo não nega mulata

Porque és mulata na cor

Mas como a cor não pega mulata

Mulata eu quero o teu amor

Tens um sabor bem do Brasil

Tens a alma cor de anil

Mulata mulatinha meu amor

Fui nomeado teu tenente interventor

Quem te inventou meu pancadão

Teve uma consagração

A lua te invejando faz careta

Porque mulata tu não és deste planeta

Quando meu bem vieste à terra

Portugal declarou guerra

A concorrência então foi colossal

Vasco da Gama contra o batalhão naval

Uma das marchinhas controversas é O teu cabelo não nega, lançada em 1932 e composta por Lamartine Babo (1904 – 1963) – compositor carioca que se inspirou na marcha Mulata, criada em 1929 pelos irmãos pernambucanos João Valença (1890 – 1983) e Raul Valença (1894 – 1977), creditados posteriormente como parceiros de Babo por ordem judicial. Os versos de O teu cabelo não nega são, de fato, indefensavelmente racistas. Qualquer pessoa poderia entender que tais versos são uma ofensa à população negra, principalmente a mulheres negras.

Na Bahia, existe uma lei estadual, sancionada em 2012, conhecida como Lei “‘Antibaixaria”. O texto prevê fiscalização, com circulação pelos blocos a desfilarem no Carnaval e multa de R$ 10 mil para gestores públicos estaduais que contratarem artistas com letras ofensivas às mulheres. No ano passado, em Goiânia, foi sancionada a mesma lei. O texto proíbe letras e danças que constranjam mulheres, LGBT ou negros. Quem desrespeitá-los terá que pagar uma multa de (1) mil reais.

Muitos intelectuais e pessoas ligadas ao carnaval saíram em defesa das marchinhas, mas não perceberam que ao fazer isso estavam relativizando discursos de cunho machista e racista. A principal desculpa apontada foi a proteção da cultura e tradição. Só que a cultura é uma construção, a tradição é inventada e nenhuma das duas deve permanecer estática, mas devem acompanhar as mudanças e reivindicações sociais.

A polêmica parece ser muito simples, se os grupos minoritários se sentem ofendidos, é hora de repensar. Carnaval não é espaço para opressão. Fazer isso não é censura, como muitos ousam dizer, mas é refletir sobre os termos que usam e como eles afetam outras pessoas. Como bem disse Djamila Ribeiro na sua coluna “ O teu discurso não nega, racista”:

“Existem muitas marchinhas divertidas por aí. Assim, não cantar algumas que sejam ofensivas a grupos historicamente discriminados não vai acabar com a diversão de ninguém. Divertir-se com o escárnio do outro não deveria ser entendido como diversão.Os tempos mudam, as pessoas evoluem, ainda bem. Vozes do passado precisam estar exatamente no tempo histórico em que estão.”

Marchinhas apontadas como machistas, racistas e LGBTfóbicas:

Maria Sapatão

A música de João Roberto Kelly, feita com a colaboração de Chacrinha, foi a mais executada no carnaval de 1981.

Cabeleira do Zezé

João Roberto Kelly e Roberto Faissal compuseram outro hit para todos os carnavais. Sua letra é acusada de reforçar preconceitos contra gays, sobretudo na parte do “será que ele é, bicha!”.

O Teu Cabelo Não Nega

Lamartine Babo escreveu essa marchinha em 1932 com versos como “o teu cabelo não nega, mulata / porque és mulata na cor / Mas como a cor não pega, mulata / mulata, eu quero o teu amor”.

Mulata Bossa Nova

João Roberto Kelly, de novo, faz outra música acusada de racista anos depois. O problema seria o uso da palavra mulata.

Ai, Que Saudades da Amélia

A música de Mario Lago e Ataulfo Alves, de 1942, proibida em algumas rodas de samba do Rio de Janeiro, reforçaria a imagem do machista e da mulher ultra submissa.


 
 
 

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